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“O corpo que pensa não pode ficar sentado”

Para compreender um conceito complexo e abstrato, I., 3 anos, mimetizou em si mesma forma e equilíbrio de uma torre

MINI-HISTÓRIA

Com idades entre dois e três anos, crianças do grupo 2 pesquisavam as torres. A pesquisa havia começado a partir da escuta sensível da professora da turma, que identificou interesse e muitas perguntas das crianças sobre as construções que faziam espontaneamente com diversos materiais, entre eles blocos de madeiras e cilindros.

Uma das principais dúvidas das crianças, expressa de diversas maneiras (em perguntas verbais, em conversas, com repetições de construções e desconstruções) dizia respeito ao equilíbrio das torres. Por que caem e por que ficam em pé?

Com o intuito de aprofundar essa pesquisa, a professora do grupo trouxe para a sala referência fotografias de algumas torres famosas: o obelisco, a Torre Eiffel e a Torre de Pisa.

Divididas em pequenos grupos, as crianças começaram a analisar seus objetos de estudo. A Torre Eiffel coube a I., 3 anos e 3 meses; a B., 3 anos e 7 meses, e a L. 2 anos e 10 meses.

OBSERVAÇÃO E DIÁLOGO

A professora da turma propôs, inicialmente, que as crianças observassem a imagem da torre francesa. Depois, elas poderiam reconstruir o que estavam vendo com os materiais que considerassem mais adequados.

A primeira a comentar foi I., que já tinha visitado a torre:

“Essa é a Torre Eiffel. Eu já vi quando era bebê. Mas era diferente. Tá vendo essas árvores aqui? Elas eram bem verdinhas.”

Para dar conta do estranhamento de I., a professora explicou que a foto que o grupo estava analisando era em preto e branco. O diálogo então recomeçou.

“É bem alta, a gente quase não consegue escalar nela.”, diz I.

“Como se fosse um monstro bem grande! Vai reto até em cima e em baixo tem uma porta.”, responde B.

“Porta não, é um túnel, replica I.

Então I. começa a imitar a torre, usando o corpo todo para reproduzir o monumento.

I. esforça-se para representar o conceito de equilíbrio que sustenta a torre, colocando seu corpo na mesma posição do monumento. E faz isso “decompondo” a torre: forma, com o corpo, o suporte em “quatro pernas”; depois o tamanho da torre e, finalmente, o monumento completo, com a “espada” em cima, que foi uma observação de B. à pesquisa da colega.

I. e B. “decompõem” a torre (base na primeira foto, altura na segunda, “espada” no topo na terceira) e mimetizam-na “em partes” em seus corpos para compreendê-la melhor. Essa “concretização” de conceitos abstratos será fundamental para as crianças reproduzirem, a seguir, a estrutura do monumento usando os cilindros, materiais escolhidos por elas para essa pesquisa. Foto: Vivi Cukier/Acervo Carambola

Para isso, I. e B. usaram pernas, mãos, braços e tronco. O movimento gera ação e pensamento. Aos três anos, usar o corpo para interpretar e exemplificar um conceito é a gênese da metacognição.

É por essa razão, entre outras, que as crianças não devem ficar sentadas compulsoriamente na escola, como regra. “O corpo que pensa não pode ficar parado”, diz Josiane Del Corso, diretora da Ateliê Carambola Escola de Educação Infantil.

COMPREENDER E CONSTRUIR

Mimetizar a estrutura da torre foi fundamental para que as crianças compreendessem sua forma, o conceito de equilíbrio, o que mantém a obra em pé e, a partir dessa experiência, tentar reproduzir o monumento famoso.

“Torre com quatro pés”: ao compreender a estrutura da torre, as crianças conseguem começar a reproduzi-la. Foi preciso “conceituar” e criar hipóteses no corpo para, depois, partir para a ação. Foto: Vivi Cukier/Acervo Carambola

Desse momento em diante, inclusive, o modelo de equilíbrio da Torre Eiffel -denominado pelo grupo não por acaso como “uma torre em quatro pés”- passou a ser usado com bastante frequência pelas crianças em diversas outras oportunidades.

Essa exploração de I. e B. evidencia a importância central do corpo nas pesquisas, no pensamento e na aprendizagem das crianças. Mas não só isso. Mostra, ainda, a capacidade investigativa e de elaborar hipóteses das crianças. As diversas hipóteses sobre o equilíbrio foram testadas, na prática, tanto ao mimetizar a torre com o corpo quanto no momento de erguer as reproduções com os materiais à disposição.

Ao mimetizar com o corpo, compreenderam conceitos e criaram hipóteses iniciais. Ao construir, testaram esses conceitos e essas hipóteses porque precisaram erguer a torre a partir da teoria apreendida com os movimentos corporais e mimetizações. Em seguida, aprofundaram a pesquisa com novas hipóteses e novos testes diante de outras dificuldades, como manter em pé a obra que ergueram.

“A torre é assim e tem um buraco aqui que não dá pra fazer…Não tá dando, a torre tá caindo toda hora”, diz B.

“Tá tendo vento”, responde I.

Quando as crianças começam a construir sua reprodução a partir dos conceitos testados no corpo, novas dificuldades surgem. Se estão reproduzindo o que sentiram e compreenderam, por que a torre cai? O vento vira hipótese, e a reconstrução é a estratégia para testar essa possibilidade. Foto: Vivi Cukier/Acervo Carambola

A teoria de equilíbrio descoberta pelas crianças precisa da prática para validar-se (um processo muito próximo do científico). Diante da dificuldade em manter a primeira construção em pé, mesmo seguindo as teorias percebidas pelo corpo, as crianças teorizam novamente.

O vento é uma hipótese constante das crianças sobre as razões pelas quais as torres caem. No entanto, não ventava na sala naquele momento. As crianças pareceram compreender que seria preciso refazer a torre, seguindo novamente a teoria inicial de equilíbrio e forma, para construir de modo mais estável.

Mimetizando mais uma vez a forma da torre que já haviam anteriormente percebido em seus corpos, as crianças então fizeram mais uma tentativa de estabilizar o material.

As crianças empenham-se novamente em erguer sua versão da Torre Eiffel. Para isso, seguem os passos de construção aprendidos anteriormente e testam novamente o equilíbrio: o que mantém as torres em pé? Foto: Vivi Cukier/Acervo Carambola

Concentradas, empenharam-se na reconstrução. O silêncio, a expectativa e a concentração, que fizeram com que eles quase segurassem a respiração, ajudou a garantir que a torre ficasse de pé.

“Falta a espada!”, diz I.

“A espada fica aqui no topo, responde B.

Visivelmente orgulhosas do feito, as crianças analisam a obra, comparam, estabelecem equivalências e percebem que, em relação à original, falta a “espada” no topo. A primeira tentativa de “espada” não agrada as crianças, que ficam satisfeitas só quando testam uma nova opção. A exigência estética, nesse caso, não vem do adulto, e as crianças não se poupam no trabalho de reconstruir a Torre Eiffel tal qual imaginaram e perceberam.

Na primeira foto, B. tenta fazer a “espada” da torre com um cilindro de papelão fino. O resultado obtido não agrada. As crianças então analisam o que construíram (segunda foto) e optam por utilizar outro material, que, dessa vez, cumpre bem a expectativa do grupo. A satisfação é evidente. Fotos: Vivi Cukier/Acervo Carambola

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